Revista Psique Por Christian Costa
“Lembro que naquela manhã acordei confuso e em busca de algo que me deixasse mais calmo. Tive uma semana estressante no trabalho, e só queria sair dali para esfriar minha cabeça. Sempre me relacionei melhor com crianças, pois elas não me criticavam o tempo todo. Não tinha dúvida que ao entrar na minha Kombi, era uma criança que iria me fazer companhia. Depois de uns 30 minutos dirigindo, percebi um grupo de meninas que estavam brincando em uma praça… Então observei e estacionei minha Kombi próxima ao grupo. Percebi que à medida que me aproximava delas, ficava mais ansioso e a única maneira daquela ansiedade diminuir, era descer do carro e oferecer ao grupo de meninas uma série de jogos que estavam amontoados atrás do banco do motorista. Uma dessas meninas, que parecia ser a mais carente, se interessou mais que as outras pelos jogos e brinquedos que eu mantinha no carro. Não foi difícil convencê-la a ir até minha casa para que eu pudesse lhe mostrar outros jogos e brinquedos… Ao chegarmos em casa coloquei um vídeo infantil…Tomei um banho e voltei para ficar com ela. Tentei acariciá-la e demonstrar todo o amor que estava sentindo naquele momento, mas ela reagiu chorando e pedindo para ir embora. Disse a ela que antes de ela ir para casa, tínhamos de nos conhecer melhor e que o ideal seria que ela relaxasse e permitisse que eu apenas a tocasse…Era só isso que eu queria” (relato de um presidiário condenado por pedofilia).
Ouvir um relato desses é no mínimo sentir-se indignado e se fazer a seguinte pergunta: Por quê? O que leva um indivíduo adulto a ter preferências sexuais por uma criança? Que tipo de “doença” é esta? Por quê não se contentar com relações adultas e maduras? Por quê traumatizar uma criança? Todos estes questionamentos nos levam a reflexão deste artigo e do tema em questão que é a pedofilia e a violência sexual. A violência de um modo geral é entendida como um comportamento extremo e prejudicial em nossos dias, mas também não podemos esquecer que em nossas raízes primitivas, este comportamento era necessário para a própria sobrevivência e perpetuação da espécie. Por motivos sociais, genéticos e comportamentais, a violência sempre esteve presente na história da humanidade. Atualmente, indivíduos que manifestam qualquer modalidade de violência durante suas relações sociais, com mais persistência que os demais, percebem que este comportamento está presente em suas vidas de forma intensa e demonstram em seus comportamentos, poucas possibilidades de controle, ou seja, entende-se que são mais impulsivos, agressivos e com baixa tolerância à frustração. Estes indivíduos possuem características, onde demonstram dificuldades de seguir normas sociais e padrões éticos. Como conseqüência destes fatos, estruturam paradigmas e normas específicas que lhes proporcionem ganhos pessoais e obtenção imediata de prazer. Pensando em especial na violência sexual, podemos, em alguns momentos, associar este padrão de comportamento disfuncional as parafilias, que são atitudes sexuais diferentes daquelas entendidas como normais pela sociedade, sendo que as pessoas que as praticam possuem preferência sexual “desviada”, por se tornar uma necessidade de prazer prioritária e exclusiva. É importante ressaltar que ela se torna exclusiva porque exclui o normal e pessoas parafílicas podem ter dois ou mais tipos de parafilias ao mesmo tempo. Como por exemplo, o sadismo, o masoquismo e o fetichismo. As parafilias geralmente são praticadas por uma pequena parcela da população, mas como essas pessoas cometem atitudes parafílicas com muita freqüência e repetição, tem ocorrido um grande número de vítimas delas. Em geral, estas perversões sexuais são mais comumente praticadas por homens, sendo que uma das parafilias mais comuns é a pedofilia. Entende-se a Pedofilia como pensamentos e fantasias eróticas repetitivas ou a busca de atividade sexual com crianças, as quais não correspondem ou não entendem esta fantasia do adulto. Muitos dos casos estudados e observados são de incesto, ou seja, a maioria deles pode envolver membros da mesma família (pais/padrastos/tios/avôs). De uma maneira geral, o ato pedofílico consiste em toques, carícias genitais e sexo oral, sendo a penetração um ato incomum. Essa compulsão da Parafilia pode ser severa e ocasionar atos delinqüenciais, com conseqüências jurídicas. É o caso, por exemplo, do pedófilo que observará, tocará ou abusará de crianças, do sádico que produzirá dores e ferimentos, e assim por diante. É comum em indivíduos presos e condenados por pedofilia, verbalizarem que suas ações não foram criminosas ou que trouxeram algum malefício para a criança que o acusou de tal ato, ou seja, estes indivíduos não “conseguem” perceber que seus atos trazem danos no mínimo emocionais às suas vítimas. Entendem que este ato é uma prova ou demonstração de “amor” pela criança. Para Ballone, ao analisar o agressor sexual dentro do Código Penal, deve-se estudar a conduta sexual de cada individuo particularizado, deve-se ter em mente que estes delitos também podem ser cometidos, em determinadas circunstâncias, por indivíduos considerados “normais”, (como uso de drogas e/ou álcool, por exemplo). Também é importante levar em consideração que a freqüência dos delitos sexuais não é maior em pessoas com parafilias.
VIOLÊNCIA SEXUAL
O estupro tem um elevado peso na história das instituições e dos costumes na antiguidade. Os povos primitivos sempre tentaram remediar as incertezas da etnografia e suas desigualdades, raptando as mulheres de povos vizinhos. Estudos etnológicos de povos primitivos demonstram que o rapto para o estupro era, acima de tudo, considerado como expressão de virilidade, como marca do conceito de propriedade aplicado às mulheres e como mecanismo de controle social. Na Idade Média, o estupro era considerado um crime de sangue quando a vítima era virgem e nobre. Mas ela tinha que apresentar queixa. A mulher deveria imediatamente após o ato ir às comunidades vizinhas e relatar o que acontecera e mostrar, aos homens de boa reputação, o sangue em suas vestes revoltas e rasgadas. Depois, deveria procurar o magistrado do rei local e fazer sua reclamação. Na 1ª Guerra Mundial nos territórios da Bélgica e da França, estupros em massa aconteceram, e na 2ª Guerra Mundial, sabe-se dos numerosos estupros de mulheres judias, e posteriormente, estupros de mulheres russas, pelos alemães. Há ainda, os estupros de mulheres alemães por soldados soviéticos, em sua ofensiva sobre Berlim, em 1945. No Código Penal Brasileiro (Art 213): Considera-se estupro quando constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. A ameaça pode ser direta, quando o mal é prometido à vítima, ou indireta, quando o mal é anunciado contra terceiro a quem a vítima esteja ligada por laços de afeto. O criminoso sexual “habitual” sabe onde encontrar as mulheres sozinhas no campo, nos estacionamentos, nas ruas desertas e nas situações propícias a seu intento. Suas ações enquanto “caçador” são também para atrair suas vítimas para aquilo que é entendido como zona de conforto do agressor, ou seja, estes indivíduos normalmente agem em locais e horários em que não irão ser facilmente interrompidos. As mulheres vêem substituída a relação amorosa pelas ameaças e pela imobilidade física. O estuprador as abandona após o uso. Quando preso, se não negar o ato, alegará ter sido provocado pela mulher e que “ela estava querendo isso”.
ASPECTOS OBSERVADOS NO ESTUPRO
FORÇA> RAIVA > CONTROLE > SEXO
O estupro é um ato pseudo-sexual, em que há muito mais desejo de agressão e posse de um corpo do que de gozo sexual. Percebe-se que este indivíduo tem sua motivação no controle e na dominação de sua vítima. Psicopatia Sexual A psicopatia sexual tem lugar de destaque dentro do universo de indivíduos que são condenados por estes crimes. Entende-se que quando a atividade sexual convencional ou desviada se dá por meio de um comportamento psicopático, há transgressão, violência e atos sádicos para com a vítima, por meio de uma conduta anti-social consciente, realizada com o único intuito de obtenção de prazer. Para o Dr. Robert Hare, psicólogo canadense e uma das maiores autoridades em criminologia do mundo, os Psicopatas “são predadores intra-espécie que usam charme, manipulação, intimidação e violência para controlar os outros e para satisfazer suas próprias necessidades. Em sua falta de confiança e de sentimento pelos outros, eles tomam friamente aquilo que querem, violando as normas sociais sem o menor senso de culpa ou arrependimento”. Hoje no Brasil, não possuímos estudos epidemiológicos que demonstrem dados significativos em relação aos criminosos sexuais. A criminologia brasileira ainda dá passos tímidos em busca de respostas sobre muitos dos fenômenos que conduzem nossa sociedade a conviver com tanta violência. Dados demonstram que a reincidência no Brasil de indivíduos que deixam o sistema penitenciário todos os anos, chega à assustadora marca de 85%. Muitos desses são criminosos sexuais que saem em busca de novas vítimas.
Para saber mais: Ballone GJ – Delitos Sexuais (Parafilias) – in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2005.Turvey, B. (2002) Criminal Profiling: An Introduction to Behavioral Evidence Analysis, 2nd Edition, London: Elsevier Science Savino, J. & Turvey, B. (2004) Rape Investigation Handbook, San Diego: Elsevier Science HARE, R. D. Pschychopathy and Antisocial Personality Disorder: A case of Diagnostic Confusion. Psychiatric Times, February. V. XIII Issue 2, 39-40. 1996.